Argemela de novo em risco - Recordando uma reportagem de 2003

O monte da Argemela está novamente na ordem do dia pelos piores motivos, a perspectiva da destruição das suas encostas por uma exploração mineira a céu aberto que terá um impacto irremediável na paisagem e recursos hídricos. Na Internet foi já aberta uma petição dirigida aos Ministros do Ambiente e da Economia para travar este processo. Poderão encontrá-la (e assiná-la, já agora) neste link: http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT84767

Já no início deste século o local fora danificado durante os trabalhos de abertura de um caminho, que rasgou parte do sistema de muralhas do castro que ali existe e que, mais tarde, foi novamente danificado pela exploração mineira da Unizel, que ali se instalou para explorar feldspato, abrindo um rombo na encosta.

Foi precisamente na véspera do início desta exploração de feldspato que me desloquei até ao monte da Argemela para visitar as escavações arqueológicas de emergência que ali decorriam, na tentativa de delimitar o sítio arqueológico. O resultado foi a reportagem que se segue e que na altura foi publicada no portal ArqueoBeira:


ArqueoBeira - 11 de Julho de 2003
Castro da Argemela (Fundão/Covilhã)


Terminaram as escavações de emergência


Alexandre Valinho e Miguel Serra em pleno trabalho - ArqueoBeira 2003

Terminaram no passado domingo dia 6 de Julho os trabalhos de prospecção de emergência no Castro da Argemela. Estes trabalhos, inseridos no projecto dirigido pela Drª Raquel Vilaça sobre o estudo da ocupação pré-romana na Beira Interior, duraram cerca de uma semana e foram executados pela empresa de arqueologia Palimpsesto - Preservação e Estudo do Património Cultural Lda. Esta intervenção deveu-se à necessidade urgente de delimitar este importante sítio arqueológico, para evitar que a exploração mineira prevista para este monte, o pudesse vir a destruir.

Na zona, está prevista para breve uma exploração mineira a cargo da empresa Unizel. Aparentemente, sob o monte da Argemela, existe um extenso filão de feldspato, mineral que esta empresa explora também na Turquia.

Em conversa com os Drs Alexandre Valinho, Miguel Serra e Eduardo Porfírio, que dirigiu os trabalhos no local, procurámos conhecer um pouco mais a natureza dos trabalhos e aquilo que reveleram.

Vala de sondagem que colocou a descoberto parte da 2ª muralha do castro - ArqueoBeira 2003

Os trabalhos, efectuados no perímetro da "acrópole", consistiram na abertura de 5 valas de sondagem, 4 com 4mx2m e uma, esta adjacente à 1ª linha de muralha, com 8mx2m.

"Os nossos trabalhos visam essencialmente estabelecer uma linha de protecção para o castro, procurando evitar ao máximo que os trabalhos de mineração previstos para a zona, tenham impacto sobre este sítio que já foi muito maltratado" - Afirma Miguel Serra, continuando: "Na parte da muralha que pusemos a descoberto, podemos ver que esta consiste apenas em pedra sobreposta, pelo que trabalhos envolvendo maquinaria pesada ou explosivos poderiam provocar um desmoronamento. Repare que aqui (apontando para uma parte exposta) ela até já apresenta sinais de desmoronamento."


Eduardo Porfírio, director da escavação - ArqueoBeira 2003

Estas sondagens que poderiam eventualmente revelar a existência de estruturas ou vestígios nada produziram: "Essencialmente, procurámos saber se existiam estruturas fora desta linha de muralhas, o que não parece acontecer" - afirma Serra.

Sobre o castro, diz-nos Valinho que "Para além disso, seria necessário confirmar se a alegada 3ª cintura de muralha existe mesmo, ou se é apenas um talude de antigas explorações mineiras. Não deixa de ser atípico que com tanta marca de mineração, não existam informações mais concretas na memória colectiva das comunidades circundantes, acerca deste local.".

De acordo com Alexandre Valinho "Os vestígios encontrados resumem-se a alguns fragmentos de cerâmica, que apontam para uma ocupação durante o Bronze Final ou mesmo Calcolítico".

Sobre o estado de conservação do castro, as opiniões mostram cautela, procurando não alimentar demasiadas expectativas. Alexandre Valinho afirma ainda assim que "é bom ver que, pelo menos esta parte da muralha que não foi arrasada pelos bulldozers, se encontra num estado razoável." Sobre a existência de mais vestígios, afirma que "só futuros trabalhos poderão dissipar essas dúvidas." Uma cautela justificada, se tivermos em conta que o castro foi muito maltratado ao longo dos anos, com a abertura de vários caminhos por bulldozers que sistematicamente rasgaram as cinturas de muralha para a abertura de caminhos e por sondagens geotécnicas em diversas zonas do castro.


A origem

Só recentemente começou a vir a público alguma luz sobre a origem deste local que na tradição popular mistura lusitanos, romanos, visigodos e árabes em histórias de guerras, torturas e nobreza.

Os fragmentos de cerâmica encontrados e o aparelho da muralha sugerem uma ocupação que se terá situado em 3 épocas distintas, com início no Calcolítico, algures no 3º milénio a.C., não existindo no entanto provas que confirmem que essa ocupação tenha sido contínua.

Os escassos vestigios encontrados confirmam uma ocupação no Calcolítico e no Bronze Final, sendo que a muralha se pode situar pelo seu aparelho como pertencendo aos Sécs IX ou X a.C..

"A localização do castro, dominando toda a paisagem envolvente, poderá indiciar uma ocupação da Idade do Bronze, em que este tipo de localização era padrão. Na Idade do Ferro, havia uma maior preocupação em dominar principalmente o rio." - Diz Alexandre Valinho


Os atentados

O castro da Argemela foi durante muitos anos vítima da ignorância e desleixo das pessoas a quem de direito cabia zelar pela sua preservação.

Sob o solo, existem grandes riquezas minerais, facto que aliado à exploração das encostas circundantes por uma empresa de celulose, levou a que a pressão sobre o castro pusesse em risco a sua existência.

Por várias vezes, na imprensa regional, se puderam ler notícias de destruição das muralhas, à medida que sistematicamente estas iam sendo derrubadas por bulldozers que abriam caminhos.

Não sendo mencionado como sítio arqueológico no PDM quer do concelho do Fundão, quer no concelho da Covilhã, os trabalhos no local, não eram acompanhados por arqueólogos o que ajudava a que os vestígios por demais evidentes (acumulação de enormes quantidades de pedra solta e fragmentos de cerâmica) fossem simplesmente ignorados.


A classificação que tardou

O último acto de destruição no castro, no ano de 2002, fez finalmente despertar as consciências. Manuel Frexes, presidente recém eleito da Câmara Municipal do Fundão, deslocou-se de imediato ao local para averiguar in situ o resultado da destruição.

De imediato, foram accionados os necessários mecanismos que, pouco tempo depois, resultaram na classificação do Castro da Argemela como Imóvel de Interesse Municipal pela Câmara Municipal do Fundão.

Resta agora esperar que os futuros trabalhos neste local, possam trazer mais alguma luz sobre a história do castro, para que na nossa imaginação se voltem a erguer as muralhas que outrora dominaram o vale do Zêzere.

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